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03.10.2020

Os 13 direitos dos bebês prematuros

O Decimo Terceiro Direito

Em 2009, o mundo comemorava os 30 anos de vida da Metodologia Mãe Canguru, caminho através do qual a Neonatologia oficial se redimia definitivamente de décadas de exclusão do cuidado materno na atenção ao seu recém-nascido prematuro. Desde seu surgimento para o mundo, em 1979, na Colômbia, esta metodologia, codificada pelos pediatras Edgar Rey Sanabria e Hector Martinez, tem alimentado em todo planeta a discussão e adoção de cuidados individualizados para com esses bebês, voltados para seu desenvolvimento e irreversivelmente centrados em suas famílias.

A Neonatologia percebe, a partir dessa iniciativa, a oportunidade de recuperar o vínculo do bebê com os seus, e recebe de presente a possibilidade de caminhar rumo ao futuro associando os avanços da tecnologia aos cuidados essenciais e respeitosos para com um bebê dono de uma "vida anterior ao nascimento, bem como memória, aprendizado, emoção e capacidade de resposta e interação com o mundo a sua volta."

"Uma Declaração Universal de Direitos para o Bebê Prematuro", publicada inicialmente em 2008, buscou ser uma das vozes a dar voz a tantas pequenas "almas apressadas" e a suas famílias, apoiando, da mesma forma, os cuidadores, e buscando ser mais uma luz entre as luzes que surgiam nessa direção em todo planeta.

Os doze artigos dessa "Declaração..." amplamente acessível através da internet, passeiam por direitos inalienáveis que se afirmam já no nascimento, atravessam os cuidados dos dias de UTI e chegam ao colo e ao leite materno, garantindo a possibilidade de um crescimento protegido e respeitoso.

Recentemente, após meus primeiros contatos com os princípios dos cuidados paliativos, que traduzem tão bem como os cuidados individualizados os fundamentos do tratamento respeitoso para com o bebê prematuro e sua família, percebi que furtei, por conta de minha própria inconsistência, a esses bebês, um direito fundamental e tão inalienável quanto os doze primeiros.

Onze anos depois, compreendendo o papel que me cabia ao furto feito, devolvo, representado aqui como um pedido de perdão, a todos os bebês prematuros do mundo inteiro, às suas famílias e aos seus cuidadores esse seu décimo terceiro direito.

Veja todos abaixo:

Artigo I

Todos os prematuros nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência. Possuem vida anterior ao nascimento, bem como memória, aprendizado, emoção e capacidade de resposta e interação com o mundo a sua volta.

Artigo II

Todo prematuro tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo III

Nenhum prematuro será arbitrariamente exilado de seu contexto familiar de modo brusco ou por tempo prolongado. A preservação deste vínculo, ainda quando silenciosa e discreta, é parte fundamental de sua vida.

Artigo IV

Todo prematuro tem direito ao tratamento estabelecido pela ciência, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Assim, todo prematuro tem o direito de ser cuidado por uma equipe multidisciplinar capacitada a compreendê-lo, interagir com ele e a tomar decisões harmônicas em seu beneficio e em prol de seu desenvolvimento.

Artigo V

Todo prematuro tem direito à liberdade de opinião e expressão, portanto deverá ter seus sinais de aproximação e afastamento identificados, compreendidos, valorizados e respeitados pela equipe de cuidadores. Nenhum procedimento será considerado ético quando não levar em conta para a sua execução as necessidades individuais de contato ou recolhimento do bebê prematuro.

Artigo VI

Nenhum prematuro será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Sua dor deverá ser sempre considerada, prevenida e tratada através dos processos disponibilizados pela ciência atual. Nenhum novo procedimento doloroso poderá ser iniciado até que o bebê se reorganize e se restabeleça da intervenção anterior. Negar-lhe esse direito é crime de tortura contra a vida humana.

Artigo VII

Todo prematuro tem direito ao repouso, devendo por isso ter respeitados seus períodos de sono superficial e profundo que doravante serão tomados como essenciais para seu desenvolvimento psíquico adequado e sua regulação biológica. Interromper de forma aleatória e irresponsável sem motivo justificado o sono de um prematuro é indicativo de maus-tratos.

Artigo VIII

Todo prematuro tem direito inalienável ao silêncio que o permita sentir-se o mais próximo possível do ambiente sonoro intrauterino, em respeito a seus limiares e à sua sensibilidade. Qualquer fonte sonora que desrespeite esse direito será considerada criminosa, hedionda e repugnante.

Artigo IX

Nenhum prematuro deverá, sob qualquer justificativa, ser submetido a procedimento estressante aplicado de forma displicente e injustificada pela Equipe de Saúde, sob pena de a mesma ser considerada negligente, desumana e irresponsável.

Artigo X

Todo prematuro tem direito a perceber a alternância entre a claridade e a penumbra, que passarão a representar para ele o dia e a noite. Nenhuma luz intensa permanecerá o tempo inteiro acesa e nenhuma sombra será impedida de existir sob a alegação de monitorização contínua sem que os responsáveis por estes comportamentos deixem de ser considerados displicentes, agressores e de atitude dolosa.

Artigo XI

Todo prematuro tem direito, uma vez atingidas as condições básicas de equilíbrio e vitalidade, ao amor materno, ao calor materno e ao leite materno, que lhe são oferecidos pelo Método Mãe-Canguru. Caberá à Equipe de Saúde prover as condições estruturais mínimas necessárias a esse vinculo essencial e transformador do ambiente prematuro. Nenhum profissional ou cargo de comando, em nenhuma esfera, tem a prerrogativa de impedir ou negar a possibilidade desse vinculo que é símbolo da ciência tecnocrata redimida.

Artigo XII

Todo prematuro tem direito a ser alimentado com o leite de sua própria mãe ou, na falta desta, com o de uma outra mulher tão logo suas condições clínicas o permitirem. Deverá ter sua sucção corretamente trabalhada desde o início da vida e caberá à equipe de saúde garantir-lhe esse direito, afastando de seu entorno bicos de chupetas, chucas ou qualquer outro elemento que venha interferir negativamente em sua sucção saudável, bem como assegurar-lhe seu acompanhamento por profissionais capacitados a facilitar esse processo. Nenhum custo financeiro será considerado demasiadamente grande quando aplicado com esse fim. Nenhuma fórmula láctea será displicentemente prescrita e nenhum zelo será descuidadamente aplicado sem que isso signifique desatenção e desamparo. O leite materno, doravante, será considerado e tratado como parte fundamental da sua vida.

Artigo XIII

Todo prematuro tem o direito a uma morte digna, acompanhada, e livre, tanto quanto possível, de sofrimento. Nenhuma tecnologia será aplicada de forma protocolar ou desnecessária quando sua utilização for motivada por prolongamento artificial do processo de morte, e isto vier a ser causa de sofrimento abusivo para o bebê, atitude equiparável à tortura. Caberá à equipe profissional entender e aplicar os princípios paliativos como tradução da ampliação do cuidado, como valorização e proteção da vida. Nenhuma forma de apoio à família deverá ser protelada ou tratada como medida secundária. A família do bebê deverá ser informada do processo de finitude desde a sua identificação, sempre respeitando sua capacidade de compreensão e resposta ao quadro. O estabelecimento de uma comunicação compassiva entre equipe e família é parte fundamental deste processo. Caberá à equipe profissional desenvolver habilidades para se proteger da sensação de fracasso ou frustração diante da morte, por entender que mesmo diante de uma doença que não será vencida, o bebê e sua família serão cuidados por sua humanidade, e o seu sofrimento será compreendido e acolhido até após a cessação da respiração. O direito a uma morte respeitada, a partir desse mandamento inegociável, será tomado como etapa pertencente e intransferível da vida e por conta disso, tratado como vida mesmo após seu acontecimento. Todo prematuro tem o direito de despedir-se da vida no colo de seus pais quando isso for possível e se esse for seu desejo. Todo prematuro tem o direito de ser cuidado como o amor de alguém até o fim e para além dos dias.

A percepção de que todo prematuro, assim como qualquer habitante do planeta, tem direito a uma morte boa durou onze anos para florescer em meu coração. Foram preciso onze anos desde que escrevi a "Declaração..." para perceber que as mortes miseráveis não poderiam ser desmascaradas apenas com sensação de impotência diante delas. Será preciso mais que isso para reconhecer a morte descuidada de tantos milhares de bebês prematuros diariamente em todo planeta como um evento inaceitável. Haverá um reflexo de esperança no dia em que esse decimo terceiro direito for reconhecido e aplicado não como um direito que fala da morte, mas como um direito que fala mais do que nunca da vida que permanece vida mesmo depois que se vai.

por Luis Alberto Mussa Tavares, médico pediatra, de Campos dos Goytacazes (RJ).

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